É sexta-feira, último dia de aulas antes do feriadão, minha filha está na pré-escola, ela tem 3 anos e meio, é sempre um dia mais agitado para voltar para casa, as crianças tem o poder de intuir o final de semana melhor que eu ou você, ela não sabe usar um calendário, mas ela sabe que final de semana só significa uma coisa: muita energia para gastar.
Adultos costumam chegar na sexta-feira estropiados, morrendo de vontade de relaxar, dormir, ser feliz, comer bem e só viver coisas boas. Crianças também, com a diferença que comer e dormir não são coisas essenciais se você tem um adulto para se incomodar com isso por você.
Chegamos em casa e eu penso se dou aquela geral na mochila dela de uma vez ou se deixo para o próximo dia de aula, no caso só depois do feriadão, então decido não acumular coisas para fazer e enquanto ela se acomoda para lanchar, vou esvaziando a mochila, roupas que não foram usadas durante a semana, o pote das frutas, necessaire com a escova de dentes, e por último a agenda. Todo pai sabe que uma agenda bacana é aquela que só estão marcados os sim's : sim comeu, sim foi ao banheiro, sim tudo ok. De vez em quando um papelzinho de rifa da escola, um convite para a festa de aniversário do coleguinha, no começo do mês o cronograma com os dias de aula e etc, um pedido especial para alguma atividade.
É óbvio que todos os pais admiram e curtem que os filhos estejam desenvolvendo coisas diferentes e interessantes na escola, coisas que muitas vezes eles mesmos não possuem tempo para se dedicar, mas às vezes pode ser aquela fantasia difícil de encontrar naquela semana que você não tem tempo, ou aquela garrafa pet que você também não tem, pois não consome refrigerantes e também não compra água mineral pois tem filtro em casa. Alguns pedidos são mais fáceis de atender e outros mais complicados, mas ao menos uma vez por mês existe um pedido, e é sua responsabilidade como pai ou mãe ou ambos atendê-lo, a escola faz a parte dela, você faz a sua, crianças saem ganhando.
Quando abri a agenda eu vi um bilhetinho em anexo: ''Senhores pais: (...)
Dessa vez o pedido era uma foto em família. Confesso que passei um bom dia pensando em como lidar com isso, algumas pessoas devem achar isso uma bobagem ou uma coisa simples de se resolver, afinal é só pegar uma foto e mandar na agenda da criança, ou se você não tem uma foto, escrever isso na agenda. Simples. É simples.
Ok. E se não for simples? E se uma simples foto pode ser algo mais complicado que uma foto?
Gosto de dizer que sou mãe solteira, eu sou mãe e também sou solteira. Mas isso não quer dizer que o bebê tenha brotado por geração espontânea, lá no comecinho de tudo existiu um relacionamento entre dois adultos, pelo menos é assim que a gente gosta de lembrar né hahaha
A verdade é que eu e o pai da minha filha nos separamos antes dela completar 1 ano de vida, e não foi sem bastante esforço, embora nós dois amemos demais nossa filha, não formamos um bom casal, coisa que decidi muito rápido e também impus tão logo decidi. Todas separações são complexas, até romper com um peguete gera um certo trauma, uma sombra que dure nem que seja por 15 minutos ou um final de semana. Imagina decidir se separar do pai da sua filha de 10 meses. A separação não foi amistosa, embora minha filha desde então tenha passado sempre 1 dia do final de semana com o pai, nós não nos relacionamos bem, motivo pelo qual escolhemos ter poucos momentos de contato. Pra quem acha que isso é a solução mais fácil vou acrescentar que só ficou deste modo depois de mais de ano tentando ter uma relação saudável de dois adultos separados que tem um filho em comum: idas ao parquinho, almoços e etc. Não deu certo, esses contatos geravam situações desagradáveis para mim, para minha filha e uma puta raiva do pai dela. Achei mais saudável não termos quase nenhum contato até que as coisas evoluam mais a nível individual.
Então eu sou mãe, sou solteira, e minha filha vê o pai aos finais de semana, que é um evento tratado com bastante carinho por todos envolvidos. Como eu ainda não ganho o bastante para termos uma casa só nossa, e como criar uma criança pequena sozinha é complicado até para ir ao banheiro ( e porque somos muito amadas e recebemos um apoio fenomenal) moramos com a minha mãe. Moramos com minha mãe e a esposa dela. Sim, minha mãe é casada com uma mulher há 13 anos. Não, eu nunca achei isso nojento ou difícil de aceitar, eu estava terminando o ensino médio quando elas se conheceram, e acho louco demais de tão lindo encontrar o amor novamente depois de 18 anos de casada com o meu pai. Acho que minha mãe tem uma baita estrela, porque além de sair de uma relação desgastada a ambos, e amargar aquele período de divorciada muito chato, conhecendo caras malas, ela conseguiu se apaixonar por uma mulher que faz aniversário um dia depois do meu pai, que aliás comemorava no mesmo jantar, porque era um cara muito bacana e gregário, meu pai nunca foi um neurótico enrustido, isto é até ele falecer, em abril de 2012.
Ainda lembro bem de que em uma visita a ele no hospital, meu irmão comentou a minha roupa, perguntando se aquilo era roupa de mãe ( na época eu ainda estava com o pai da minha filha, e usava uma saia e uma blusa justa com aquelas mamas que Deus abençoa as mães que amamentam, meu pai faleceu quando a pequena tinha apenas 6 meses) E meu pai, mesmo frágil pela doença, olhou meu irmão com um meio sorriso e disse: ''mas o que tu esperava, é uma roupa de mulher, eu achei linda'' . Essa é uma situação típica que explique um pouco que tipo de cara meu pai era, alguém educadíssimo, amável, interessado nas pessoas e com uma mente mil anos luz na frente, óbvio que ele não só comemorava o aniversário dele junto com a esposa da minha mãe, como foi padrinho do casamento delas.
Eu e meu irmão somos próximos, e pra mim os filhos dele são os irmãos que minha filha não tem, os primos são simplesmente a outra metade do coração da minha pequena.
Minha tia, irmã do meu falecido pai é uma baita amiga e uma pessoa super presente nas nossas vidas, é a tivó da minha filha e faz questão de estar com ela.
Nós temos férias muito loucas, por 2 anos seguidos já juntamos as granas e os trapos e alugamos a mesma casa para fazer nossa colônia própria de doidos unidos, com crianças correndo e pais fazendo churrasco, e eu meu irmão e minha cunhada bebendo uma cerveja na varanda a noite, depois de colocar as crianças para dormir. Ou fazendo uma maratona de Just Dance no Xbox para cansá-los, ou rindo com a tivó que acha simplesmente demais o quanto as artimanhas de nossos filhos nos colocam doidos. Vovó 1 e vovó 2 (minha mãe e esposa) costumam passar uma semana com a gente também, afinal elas gostam de viajar e possuem muitos amigos por aí, mas a regra geral é que nos encontramos em casa em fevereiro, depois que todo mundo curtir muito o verão. Quer dizer, eu sempre volto em fevereiro, elas ainda ficam uma ou duas semanas mais viajando, afinal minha filha precisa de tempo com o pai dela, e nós também precisamos de alguns dias sozinhas até voltar a rotina.
Isso se eu não falar na minha avó que tem 13 bisnetos, e também convive com minha filha semanalmente, porque sempre nos visita, e a quem eu gosto de chamar carinhosamente de ''velha sem vergonha'' pois sou a única neta a quem ela permite piadinhas, inclusive perguntei se ela havia se depilado para fazer a cirurgia do marca passo mês passado.
Sei que falei/escrevi demais, eu sei. E era só uma fotinho eim, um pedido na agenda da pré-escola da minha filha... Pois então, essa é a minha família, esta é a família da minha filha, sem falar nas pessoas da família do pai dela, pessoas de quem ela gosta muito e nos conta suas histórias.
Eu acho a nossa família maravilhosa, incrível, muito unida, presente, dessa maneira única nos amamos muito. Minha filha vai a feira com as avós lésbicas, visitamos meu irmão para ver o bebê novo, tomamos chá com a bisavó, caminhamos pelo bairro com a tivó, meus sobrinhos vem dormir na minha casa, ela visita o pai todo fim de semana. Mas nós não temos uma foto de família. Talvez seja coisa demais para caber numa moldura.
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