sábado, 25 de abril de 2015

O fiasco na rua ou O que os pais sentem



O mal da Birra



Se tem uma coisa que sempre chega, tão certo como o nascimento dos dentes, é a tal da birra pública ou o  temido fiasco na rua. Certamente você e o seu filho já saíram de casa algumas vezes, vão ao supermercado quase diariamente, já foram a pracinha, visitaram alguns amigos, participaram de almoços em família, compras no shopping e consultas ao pediatra, talvez já tenham até mesmo feito a primeira viagem de férias.

 Até que num belo dia, de preferência perto do momento de voltar para casa, a coisa acontece. Aparentemente vinda do nada a cena se desenrola na velocidade do constrangimento, o mesmo não de sempre parece ser de agulhas, de repente seu filho travou no mesmo lugar e decidiu dar aquele espetáculo. É possível que ele esteja vivendo os 2 anos de idade, ele sabe caminhar muito bem, mas acabou de ficar extremamente cansado para qualquer coisa e decidiu grudar na sua perna aos berros, ou simplesmente não quer sair de um local (talvez a pracinha), ou largar algum objeto (de preferência numa loja).

E agora onde você está? A meio passo de ficar louco? Querendo morrer de vergonha? Desejando fechar os olhos e tapar os ouvidos? Desejando ardentemente que a coisa acabe? Possivelmente tudo isso junto e misturado. Sim, o fiasco na rua é das piores experiências emocionais que os pais podem vivenciar em termos de desenvolvimento emocional de um filho, é o momento do pagar para ver, afinal a situação é pública, e tem muita gente que até poderia nem ter notado vocês, mas que de repente tem interesse genuíno em saber como a cena termina.

Se serve de consolo vou dizer que você tem opções, você pode colocar a criança embaixo do braço e sair andando, pode ceder e pegar no colo, ou deixar mais tempo na pracinha, ou comprar o objeto que ela não quer soltar. Pode tentar negociar com ela, normalmente essa conversa começa com ''se'' ou ''que tal'', se você caminhar comigo ganha um biscoito, que tal a gente comprar um picolé no caminho para casa, etc. Você também pode ficar muito puto e ter um chilique junto com o seu filho, gritar e esbravejar que ele vai ver só uma coisa, quando a coisa que ele vai ver é a sua cara de alívio quando fechar a porta de casa e estiver a salvo da rua. Você também pode se sentir muito mal porque seu filho não pode ter todas as coisas, e amargar uma tarde com sentimento de culpa enquanto ele soneca e nem lembra mais o que queria tão firmemente. Ou pode começar o perigoso ciclo do ''o que foi que eu fiz de errado?'', cuidado, esta opção costuma ter mais de uma tarde de culpa e costuma se estender por telefonemas longos com as amigas que também são mãe, tudo isso enquanto a criança tira a soneca. E também pode se perguntar o que seu filho tem de errado, afinal ele nunca foi assim, alguma coisa deve estar acontecendo, de qualquer forma não comece a planejar uma consulta com o pediatra, é muito precipitado. E claro, você pode se aproximar do seu filho, tocá-lo, esperar ele se acalmar, se abaixar até que os olhares se encontrem, e dizer para ele muito de boa que não vai rolar, agora vocês precisam ir para casa, levantar e pegá-lo pela mão.

Todas as opções são válidas, quem é pai ou mãe passa a fazer escolhas tão automaticamente que nem nota. Não é fácil pensar sob estresse, sob pressão, não é fácil lidar com o conflito, mesmo que ele não seja unicamente seu. Sobretudo acredito que lidar com o conflito dos filhos é entrar em contato direto com nossos próprios conflitos, medos, angústias, enfim, uma miríade de sentimentos não muito claros e quase sempre ambíguos. De repente você se depara com lembranças, e nem precisam ser de infância, algo mais próximo, como o dia aquele no restaurante, em que você já era adulto e assistiu uma cena, e mesmo antes de pensar se desejaria ter filhos, pensou: o meu filho jamais vai fazer isso. E se fizer, faz uma vez só. Agora você chegou em casa após esse episódio e sabe: o seu filho fez ''isso''. Vocês dois acabaram de viver um marco da educação infantil.

O lado positivo é que você é um iniciado, seja lá como for que tenha reagido, não depende da opção que você escolheu, vocês acabaram de viver o primeiro episódio de birra infantil na rua, e isso ficará marcado em ambos, pode acreditar que a gente lembra de uma cena por muito tempo, de certa forma esta foi uma oportunidade bem singular, daquelas onde a crueza dos instintos e dos desejos transbordam feito um tsunami. A angústia que você viveu até decidir qual atitude tomar acabou de se aprofundar numa reflexão, por um momento foi possível observar seu filho de uma maneira antes impensável. Não gaste muito tempo com a culpa, com a neurose do porquê, não se recrimine por ter cedido, apenas abra espaço para sentir as suas emoções, pode puxar o constrangimento ou o arrependimento para uma valsa, mas não mais que isso, reconheça seus sentimentos mas não se deixe ser tomado por eles, afinal isso foi exatamente o que aconteceu com o seu filho no meio da rua. Ele foi tomado por si mesmo e perdeu o controle ou a capacidade de voltar ao eixo sozinho. 

Passado esse primeiro momento de solidão com os seus sentimentos, isto é: aproveite a soneca do seu filho ou o seu momento a sós a noite, para de fato pensar sobre o que houve. Se não é possível escolher bem no calor da hora, é sim possível pensar bem de cabeça fria, e de preferência com ninguém lhe chamando a cada 5 minutos. As birras infantis tem inúmeros motivos, podem ser características da faixa etária, podem estar associadas a mudanças na vida da criança, mesmo que sejam pequenas, as crianças tem uma sensação de segurança diferente da nossa, coisas pequenas podem sim interferir no quanto elas se sentem angustiadas com a sua segurança, podem ser um comportamento que já vinha ocorrendo numa escala menor, pequenas teimosias acabam por se transformar em grandes eventos também. Independente do motivo da birra infantil é preciso estar acordado sobre como você acha que seja adequado para você e seu filho resolver isso. Por mais livros que se leia, pensando bem quase todos os pais sabem identificar as motivações dos próprios filhos, pais sabem o que é manha e o que possui uma motivação particular, o que é falta de controle emocional e o que pode ser uma simples afronta de poder. Os pais sabem. 
Eu vou dizer o que possivelmente já é óbvio: se aconteceu uma vez, possivelmente vai acontecer de novo. Até mesmo as crianças mais assustadas com uma reação forte dos pais pode demorar alguns dias para repetir a cena, mas ela vai repetir, seja como uma forma de ganhar atenção (até mesmo uma reação forte exige atenção e dedicação para acontecer), seja para descobrir o resultado de sua pequena audácia.
E também porque se você já conseguiu ensiná-lo a não abrir todas as gavetas, deve lembrar de quantas repetições foram necessárias até que a mensagem fosse de fato assimilada. Crianças precisam de constância, isso é quase um jargão. E como elas obtém constância? Ora, fazendo a prova. Seu filho não é um sádico que está apenas te testando porque não tem nada de melhor para fazer da vida, não, é a maneira que ele tem de encontrar os limites, de saber o que pode e não pode fazer. No fim, a criança quer que você, o adulto, determine o que ela pode ou não fazer. Simples assim.
E agora, o que você pretende fazer com isso? Qual vai ser a atitude na próxima deixa?

Não acredito em receitas instantâneas para criar filhos, acredito que mesmo receitas de bolos podem sair diferente do esperado dependendo da farinha usada, acredito que a química existente entre os ingredientes varia, acredito que até o gás pode acabar no meio do assado (parece justo dizer que o gás acaba quando os pais estão exaustos demais para pensar no que é bom ou não).

Mas acredito que você possa pensar sobre isso, e observar o que tem se passado com seu filho para tentar perceber quais ingredientes estão em desacordo nessa receita que tem desandado.

- Crianças precisam de limites? Se sim, que limites são esses?

- Essas cenas, pequenas ou grandes, também acontecem em casa? Se sim, observe em que momentos elas ocorrem e como você reage em casa. Ele/ela estava cansado? Pulou algum momento de sono? A teimosia começou quando você estava ao telefone ou ocupado com algo só seu? É importante prestar atenção para o momento chave, descobrir porque pode ser tão importante como escolher que atitude tomar.

- E a pergunta mais chatinha: Você tem sempre a mesma reação ou ela muda conforme o contexto em que a situação ocorre?

Tendo ou não as suas respostas claras, pense e decida qual atitude tomar e se prepare para quando for necessário, uma vez que você entre num acordo íntimo sobre o que deve ser feito, boa parte do serviço está feito, mesmo que algumas pequenas frustrações surjam, não tenha medo, não tenha vergonha, não pense que nada tem solução, viva as situações, não se descabele demasiado por elas, e tire seu tempo de cabeça fria para decidir o que fazer. Pense que cada momento é um momento para descobrir, viva, sinta, pense, investigue e decida, até que a medida certa chegue para vocês. A cozinha nunca para, os pais sempre podem dormir e comprar mais gás pro dia seguinte, é disso que a vida é feita: o fiasco na rua também é vivência

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